sábado, 27 de setembro de 2025

2º capitulo - o inicio da escuridão

Hoje vou partilhar convosco uma das fases da minha vida que mais me marcou no inicio da adolescência e em toda a minha vida. 

 

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"Pouco depois da hora de almoço, o meu pai chegou. Também cabisbaixo, com o rosto marcado pelo choro, disse quase sem voz que ela não tinha sobrevivido. Tinham feito de tudo para a trazer de volta, mas não voltara. O meu primo — seis anos mais novo do que eu, que adorava a minha mãe e desde pequeno a tratava também por mãe —, sem entender o que se passava, perguntou-me. Eu disse-lhe: “a tia morreu”. Nesse momento caiu a ficha. Aquela menina-mulher, que ainda eu era, entrou em desespero. Tinha perdido uma das pessoas que mais amava, na altura em que mais precisava dela."

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  "Era final de tarde de um dia interminável. Estava deitada no sofá da sala da minha avó. Não sabia bem o que se passava dentro de mim, mas já mostrava sinais de depressão. De repente, fui surpreendida com toda a minha turma. Tinham ido dar-me as condolências pessoalmente. Fiquei tão emocionada. Foi a primeira vez que me senti verdadeiramente vista e acarinhada por eles.

Chegou depressa o sábado, o dia do funeral. Não consegui aproximar-me do caixão. Ver o corpo da minha mãe ali deitada parecia impossível. Ainda hoje me arrependo de não ter tido coragem de me despedir dela devidamente. Estava magoada comigo própria pelo que lhe dissera no dia anterior.

Apesar da tristeza profunda que carregava, nesse dia senti-me também acolhida: os meus colegas de escola e de catequese estavam todos lá, a apoiar-me. Mas não consegui tocar no caixão nem antes de ser sepultado. A dor era imensa. Cheguei mesmo a desejar trocar de lugar com ela. No meu entendimento, eu não fazia falta aqui; já ela tinha um bebé de dois meses para cuidar.

Voltámos para casa. O meu pai, revoltado com tudo, atirou-me à cara que a culpa do falecimento da minha mãe era minha. Eu já carregava revolta suficiente dentro de mim. Por fora mostrava-me imparcial; por dentro, o mundo desabava aos poucos e ficava negro, sem vida. Hoje sei que foi apenas uma reação sem maldade, mas na altura ele não tinha noção do que se passava dentro daquela menina de treze anos.

A partir daí a minha vida mudou. O meu mundo mudou. Entrei em depressão. Passava as tardes livres no cemitério, deitada na campa da minha mãe, a falar com ela, a chorar, a pedir desculpa por tudo o que lhe tinha dito, por não ter sido a filha que ela gostaria de ter tido. Apesar de tudo, sentia-me bem ali, perto dela. Era como se ela estivesse comigo — e, de certa forma, estava. Mas eu, perdida na escuridão, não via.

Foi quando o coveiro falou com os meus avós, dizendo que eu passava demasiado tempo no cemitério e que isso me faria mal. Aí, como ele estava enganado. A minha avó proibiu-me de lá ir obrigando-me a vir diretamente para casa assim que as aulas terminassem.

A dor tornou-se a minha sombra. Eu, que tinha apenas treze anos, carregava um peso maior do que conseguia suportar. Sentia-me culpada, não apenas pelas palavras que lhe disse no dia anterior, mas também por não ter tido coragem de a abraçar uma última vez, de lhe dizer o quanto a amava. Essa culpa enraizou-se em mim, transformando-se num vazio que parecia não ter fim. Era como se a cada manhã acordasse sem ar, sem rumo, sem chão. O mundo continuava a girar, mas dentro de mim tudo tinha parado no momento em que ela partiu."