domingo, 14 de setembro de 2025

Sentir-se diferente e descobrir a razão

 


Ao longo da vida, muitas vezes senti que não encaixava no mundo da mesma forma que os outros. Pequenos gestos, conversas e situações sociais que pareciam simples para todos, para mim eram complexos, confusos ou mesmo desgastantes. Durante anos, interpretei isso como uma sensação de inadequação ou timidez.


Escrever o meu livro levou-me a uma introspecção profunda. Através dessa viagem interior, percebi algo que muda a forma como me vejo: talvez eu esteja no espectro do autismo. Nunca tive essa explicação antes, mas agora faz sentido de tantas experiências e sentimentos que carreguei sem compreender totalmente.


Para compreender melhor esta descoberta e obter um diagnóstico correto, decidi procurar ajuda médica especializada. Neste momento, estou à espera da minha consulta com o psiquiatra, porque quero ter certeza e orientação adequada, algo que considero essencial para qualquer jornada de autoconhecimento.


Ao refletir sobre as minhas experiências, percebi também a relação entre a misofonia — aquela sensibilidade extrema a certos sons — e o autismo. Muitas pessoas no espectro experienciam sensibilidades sensoriais mais intensas. No meu caso, além da misofonia, tenho sensibilidade a luzes, a cheiros e a texturas. Percebi também que me sinto cansada após convívios e que, por vezes, explodo em emoções sem razão aparente. Compreender estas experiências ajuda-me a perceber melhor como certas situações do dia a dia podem ser emocionalmente desgastantes.


Descobrir isto não é sobre colocar rótulos, mas sobre encontrar sentido e aceitar-me. É perceber que ser diferente não é errado — é apenas uma maneira única de existir, de sentir e de experienciar o mundo.


Partilho isto no blogue porque acredito que muitas pessoas sentem algo semelhante: uma diferença que não conseguem explicar, uma sensação de não encaixar. Saber que há uma razão para isso pode ser libertador. E, acima de tudo, ajuda-nos a valorizar a nossa singularidade, sem nos culparmos por sermos quem somos.


A introspecção, a aceitação e a procura de ajuda profissional transformaram a minha percepção da vida. E quero deixar aqui um lembrete para todos: a diferença não nos separa, ela é o que nos torna únicos.

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

O 11 de setembro que quase ninguém se recorda


 No dia 11 de setembro de 1985, eu teria quase 3 anos de idade. Não tenho memória direta do que aconteceu nesse dia, mas cresci a ouvir falar desta tragédia através de notícias, reportagens e testemunhos que mantêm viva a lembrança de um dos episódios mais negros da história ferroviária em Portugal.

Portugal foi palco de uma das maiores tragédias ferroviárias da sua história: a colisão frontal entre dois comboios na Linha da Beira Alta, junto ao apeadeiro de Moimenta-Alcafache, no concelho de Mangualde.

🚂 O que aconteceu

Eram cerca das 18h37 quando o Sud-Expresso, comboio internacional que seguia do Porto para Paris, embateu de frente com um serviço regional, que vinha da Guarda com destino a Coimbra. Ambos transportavam centenas de passageiros – estima-se cerca de 460 pessoas no total.

O choque foi devastador. As locomotivas e as primeiras carruagens ficaram destruídas e, devido ao derrame de combustível, rapidamente deflagrou um incêndio que se propagou pelos vagões. Muitos passageiros ficaram presos e não conseguiram escapar.

⚠️ As causas

A investigação concluiu que a tragédia resultou de falhas de comunicação entre estações ferroviárias.

  • O cruzamento entre os dois comboios deveria ocorrer em Mangualde, mas foi alterado para Nelas devido ao atraso do Sud-Expresso.

  • Essa alteração não foi devidamente coordenada, levando a que ambos os comboios circulassem na mesma via, em sentidos opostos.

O acidente revelou fragilidades graves no sistema de sinalização e na comunicação entre os responsáveis pela circulação ferroviária.

💔 As vítimas

O número oficial de mortos é de 49, mas acredita-se que o valor real seja superior, já que muitos corpos ficaram irreconhecíveis ou nunca foram recuperados devido à violência do incêndio.
Centenas de passageiros ficaram feridos, alguns com sequelas para toda a vida.

📌 Consequências e memória

O desastre de Alcafache marcou profundamente o país e levou a mudanças na segurança ferroviária, com reforço nos sistemas de sinalização e comunicação.
Todos os anos, em setembro, a tragédia é recordada com homenagens às vítimas e familiares.

🙏 Para nunca esquecer

Mais do que números, o acidente de Alcafache representa histórias de vida interrompidas e famílias destruídas. Recordar este dia é também lembrar a importância da segurança nos transportes e da memória coletiva.


sábado, 6 de setembro de 2025

Setembro: o mês do recomeço 🌿🚛

 



Um “segundo janeiro” no calendário


Setembro é conhecido como o mês dos recomeços. Não é apenas o regresso às aulas ou ao trabalho após as férias, mas sim um convite a reorganizar a vida, traçar novas metas e abrir espaço para transformações. É como um “segundo janeiro”, cheio de oportunidades e de energia renovada.


O meu recomeço pessoal


Para mim, setembro tem um significado especial. Depois da cirurgia ao pulso, que felizmente correu muito bem, estou agora a preparar o regresso à estrada. Cada passo da recuperação é um símbolo de força e de determinação.


Não é a primeira vez que este mês marca um ponto de viragem na minha vida. Em 2018, setembro foi o início de um novo ciclo. E agora, em 2025, volto a sentir esse mesmo impulso, essa certeza de que setembro é, mais uma vez, o mês de recomeçar.


Renovar para avançar


Nos próximos tempos vou renovar o CAM (Carta de Aptidão de Motorista) e toda a documentação necessária para regressar à minha rotina profissional. Para alguns, pode parecer apenas burocracia. Para mim, significa muito mais: é a prova de que estou pronta para retomar o volante, enfrentar desafios e seguir em frente com confiança.


Recomeçar não é voltar ao ponto de partida, é avançar com mais sabedoria, força e coragem.


Setembro, mês de transformação


Assim como o verão dá lugar ao outono, também nós atravessamos fases de mudança. E, tal como a natureza se renova, também eu escolho renovar-me.


Este setembro simboliza renascimento e motivação. E acredito que todos podemos aproveitar este mês para abraçar novas oportunidades, deixar para trás o que já não serve e acreditar no que ainda está por vir.


Porque todos os dias são bons para recomeçar, mas setembro lembra-nos que nunca é tarde para escrever uma nova página da nossa história.

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Ecos de Outras Vidas


Há memórias que não vêm da infância.

São lembranças silenciosas, que não se explicam pela lógica, mas que se sentem no coração como se fossem ecos de um tempo distante.


Sempre que contemplo um castelo erguido contra o horizonte, sinto uma familiaridade estranha — como se já tivesse caminhado por aquelas pedras gastas, ouvido os ecos de vozes em corredores estreitos e sentido o peso da história em cada muralha. Há em mim uma ligação inexplicável à Idade Média, ao som de armaduras, ao tilintar de espadas e ao vento que sopra pelas ameias.


O mar Mediterrâneo desperta-me o mesmo chamamento. As suas águas parecem carregar segredos que conheço sem nunca os ter aprendido. O cheiro da maresia, a luz dourada sobre a costa, os portos antigos que foram cruzamento de povos e culturas — tudo isso me toca como se fosse parte de uma memória minha.


Talvez não sejam apenas gostos ou fascínios. Talvez sejam fragmentos de vidas passadas, gravados na essência da alma. Talvez tenha sido viajante, navegadora, ou até alguém que, de uma fortaleza à beira-mar, observava o horizonte à espera de barcos que regressavam.


Não sei ao certo quem fui.

Mas sei que em mim vive essa saudade do que não lembro, esse reencontro com lugares e épocas que me são familiares sem explicação

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Misofonia: quando os sons nos ferem por dentro

 

Para a maioria das pessoas, um simples mastigar, um teclado a clicar ou um suspiro são apenas sons banais. Para mim, são gatilhos de sofrimento que entram no meu cérebro e não me deixam em paz.

Basta alguém falar mais alto do que o normal, ou ouvir alarmes, notificações ou outros sons que para os outros são perfeitamente normais, para que fiquem em loop na minha mente. Sinto-os a repetir-se incessantemente, como um eco que não consigo desligar. Cada repetição provoca desgaste, tensão e, muitas vezes, dores de cabeça incapacitantes que me deixam sem energia, física e emocionalmente.

O impacto da misofonia vai muito além do som em si. Há a raiva imediata, a frustração, o pânico silencioso de não conseguir escapar daquele ruído. Há a ansiedade antecipatória, o medo de situações em que posso ser exposta a sons gatilho. Refeições em família tornam-se um desafio, reuniões de trabalho são fontes de stress, viagens de transportes públicos transformam-se em pesadelos.

E o mais difícil é que quase ninguém compreende. As minhas reações são vistas como exageradas, como “mau feitio”. Mas não é birra, não é capricho. É uma resposta intensa e involuntária a estímulos que me provocam dor física e sofrimento emocional. E quando não somos compreendidos, o isolamento e a frustração apenas aumentam.

Viver com misofonia é sentir constantemente que o mundo está a entrar no nosso corpo de forma invasiva. É ter de aprender a evitar situações, a controlar reações, a proteger-nos de sons que parecem inofensivos para todos, menos para nós. É carregar diariamente o peso de uma batalha invisível, que mexe com o corpo e com a mente.

Procurei ajuda psiquiátrica e atualmente encontro-me a aguardar a consulta. Este é mais um passo para tentar encontrar formas de gerir os sintomas, reduzir o impacto emocional e físico e recuperar alguma qualidade de vida.

Apesar de tudo, é possível gerir a condição. Aprender os gatilhos, criar estratégias de coping, procurar apoio terapêutico e ambientes adaptados faz diferença. Mas acima de tudo, precisamos de que nos compreendam. A misofonia não é uma “frescura”, não é mau feitio — é uma condição real que transforma profundamente a vida de quem a sofre.

Para quem nunca experienciou, pode ser difícil imaginar. Mas para quem sofre, cada som que os outros ignoram é um desafio diário, uma luta para manter a cabeça fria, o corpo sereno e a mente a salvo do caos que esses ruídos provocam.

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Aquela Senhora

Há uma memória que guardo comigo, mas que até hoje não sei se foi um sonho ou se aconteceu mesmo. Na altura, a minha mãe ainda era viva. Conheceu uma senhora — e o que sempre me ficou na cabeça foi o quanto essa senhora se parecia comigo… com o que eu sou hoje. Na altura não liguei muito, mas hoje penso nisso vezes sem conta.


Essa senhora tornou-se amiga da minha mãe. Lembro-me de a verem juntas, a conversar como se já se conhecessem há muito. E, de forma quase natural, ela começou também a falar comigo. Não me lembro de tudo o que disse, mas sei que me deu conselhos. Coisas simples, mas certeiras. Como se soubesse de antemão o que eu ia viver. E o mais estranho — ou talvez o mais bonito — é que esses conselhos vieram a fazer sentido com o tempo. Ela falou-me de situações que eu viria a enfrentar, e foi como se me tivesse deixado uma bússola para quando chegasse a hora.


O que me intriga até hoje é: quem era, afinal, aquela senhora? Era apenas uma amiga da minha mãe? Uma desconhecida com um dom? Ou — e esta ideia nunca me deixou completamente — era uma versão de mim mesma, vinda de um tempo mais à frente, a tentar ajudar-me antes de tudo acontecer?


Pode parecer fantasia, mas eu sei o que senti. Sei que me marcou. E sei que, desde então, passei a olhar para certas coisas com mais atenção. Porque há momentos na vida que nos deixam uma marca tão profunda que nem importa se foram reais ou sonhados — eles transformam-nos na mesma.


E esta memória, seja ela o que for, faz parte de mim.

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Julho e os seus encontros marcados, parte 2

 

A 23 de julho,lá foi a tão esperada cirurgia ao pulso — esse companheiro de dores e silêncios — a passar pelo bisturi da esperança.

No dia seguinte à cirurgia, percebi algo que me fez acreditar ainda mais: o bloqueio e a dor constante no polegar direito — aquela dor teimosa, que se fazia sentir todos os dias, mesmo que de forma tolerável — tinham desaparecido.
Era como se o meu corpo, finalmente, tivesse respirado de alívio.

Ao sexto dia, os pontos estavam fechadinhos, com bom aspeto. Mas os cuidados continuam. A equipa médica foi clara: os pontos só devem ser retirados ao fim de quinze dias, para evitar o risco de reabertura.
Aos poucos vou recuperando a força, mas tento evitar ao máximo forçar — não por fraqueza, mas por respeito ao tempo que o corpo precisa.
Há um certo receio: o medo de que um movimento mais brusco possa abrir caminho a um retrocesso. E não quero que a recuperação seja mais lenta do que o previsto.

Ainda há movimentos que esperam pelo seu tempo. Há dias mais fáceis, outros em que a paciência tem de vir ao volante.
Mas há uma sensação clara de libertação — como se, por dentro, algo tivesse voltado ao lugar certo.
E cresce, dia após dia, a esperança de voltar ao ativo, à minha liberdade, à minha paixão pela condução de veículos pesados de mercadorias — e de voltar a correr as estradas da Europa, com o céu por teto e a música a embalar cada quilómetro.

Voltar a cantar enquanto conduzo é uma sensação tão boa…
Quase como se tivesse seguido a carreira de cantora, como gostava de ter seguido em criança.
Mas talvez, de alguma forma, tenha seguido sim — porque cada canção entoada ao volante é também palco, liberdade e sonho.

É, ao mesmo tempo, algo profundo, íntimo e cheio de verdade.
Esta ligação entre conduzir e cantar diz muito de mim: da liberdade, da alegria, dos sonhos que ainda vivem dentro de mim, mesmo que tenham tomado outros rumos.