terça-feira, 19 de agosto de 2025

Misofonia: quando os sons nos ferem por dentro

 

Para a maioria das pessoas, um simples mastigar, um teclado a clicar ou um suspiro são apenas sons banais. Para mim, são gatilhos de sofrimento que entram no meu cérebro e não me deixam em paz.

Basta alguém falar mais alto do que o normal, ou ouvir alarmes, notificações ou outros sons que para os outros são perfeitamente normais, para que fiquem em loop na minha mente. Sinto-os a repetir-se incessantemente, como um eco que não consigo desligar. Cada repetição provoca desgaste, tensão e, muitas vezes, dores de cabeça incapacitantes que me deixam sem energia, física e emocionalmente.

O impacto da misofonia vai muito além do som em si. Há a raiva imediata, a frustração, o pânico silencioso de não conseguir escapar daquele ruído. Há a ansiedade antecipatória, o medo de situações em que posso ser exposta a sons gatilho. Refeições em família tornam-se um desafio, reuniões de trabalho são fontes de stress, viagens de transportes públicos transformam-se em pesadelos.

E o mais difícil é que quase ninguém compreende. As minhas reações são vistas como exageradas, como “mau feitio”. Mas não é birra, não é capricho. É uma resposta intensa e involuntária a estímulos que me provocam dor física e sofrimento emocional. E quando não somos compreendidos, o isolamento e a frustração apenas aumentam.

Viver com misofonia é sentir constantemente que o mundo está a entrar no nosso corpo de forma invasiva. É ter de aprender a evitar situações, a controlar reações, a proteger-nos de sons que parecem inofensivos para todos, menos para nós. É carregar diariamente o peso de uma batalha invisível, que mexe com o corpo e com a mente.

Procurei ajuda psiquiátrica e atualmente encontro-me a aguardar a consulta. Este é mais um passo para tentar encontrar formas de gerir os sintomas, reduzir o impacto emocional e físico e recuperar alguma qualidade de vida.

Apesar de tudo, é possível gerir a condição. Aprender os gatilhos, criar estratégias de coping, procurar apoio terapêutico e ambientes adaptados faz diferença. Mas acima de tudo, precisamos de que nos compreendam. A misofonia não é uma “frescura”, não é mau feitio — é uma condição real que transforma profundamente a vida de quem a sofre.

Para quem nunca experienciou, pode ser difícil imaginar. Mas para quem sofre, cada som que os outros ignoram é um desafio diário, uma luta para manter a cabeça fria, o corpo sereno e a mente a salvo do caos que esses ruídos provocam.

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Aquela Senhora

Há uma memória que guardo comigo, mas que até hoje não sei se foi um sonho ou se aconteceu mesmo. Na altura, a minha mãe ainda era viva. Conheceu uma senhora — e o que sempre me ficou na cabeça foi o quanto essa senhora se parecia comigo… com o que eu sou hoje. Na altura não liguei muito, mas hoje penso nisso vezes sem conta.


Essa senhora tornou-se amiga da minha mãe. Lembro-me de a verem juntas, a conversar como se já se conhecessem há muito. E, de forma quase natural, ela começou também a falar comigo. Não me lembro de tudo o que disse, mas sei que me deu conselhos. Coisas simples, mas certeiras. Como se soubesse de antemão o que eu ia viver. E o mais estranho — ou talvez o mais bonito — é que esses conselhos vieram a fazer sentido com o tempo. Ela falou-me de situações que eu viria a enfrentar, e foi como se me tivesse deixado uma bússola para quando chegasse a hora.


O que me intriga até hoje é: quem era, afinal, aquela senhora? Era apenas uma amiga da minha mãe? Uma desconhecida com um dom? Ou — e esta ideia nunca me deixou completamente — era uma versão de mim mesma, vinda de um tempo mais à frente, a tentar ajudar-me antes de tudo acontecer?


Pode parecer fantasia, mas eu sei o que senti. Sei que me marcou. E sei que, desde então, passei a olhar para certas coisas com mais atenção. Porque há momentos na vida que nos deixam uma marca tão profunda que nem importa se foram reais ou sonhados — eles transformam-nos na mesma.


E esta memória, seja ela o que for, faz parte de mim.