sábado, 27 de setembro de 2025

2º capitulo - o inicio da escuridão

Hoje vou partilhar convosco uma das fases da minha vida que mais me marcou no inicio da adolescência e em toda a minha vida. 

 

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"Pouco depois da hora de almoço, o meu pai chegou. Também cabisbaixo, com o rosto marcado pelo choro, disse quase sem voz que ela não tinha sobrevivido. Tinham feito de tudo para a trazer de volta, mas não voltara. O meu primo — seis anos mais novo do que eu, que adorava a minha mãe e desde pequeno a tratava também por mãe —, sem entender o que se passava, perguntou-me. Eu disse-lhe: “a tia morreu”. Nesse momento caiu a ficha. Aquela menina-mulher, que ainda eu era, entrou em desespero. Tinha perdido uma das pessoas que mais amava, na altura em que mais precisava dela."

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  "Era final de tarde de um dia interminável. Estava deitada no sofá da sala da minha avó. Não sabia bem o que se passava dentro de mim, mas já mostrava sinais de depressão. De repente, fui surpreendida com toda a minha turma. Tinham ido dar-me as condolências pessoalmente. Fiquei tão emocionada. Foi a primeira vez que me senti verdadeiramente vista e acarinhada por eles.

Chegou depressa o sábado, o dia do funeral. Não consegui aproximar-me do caixão. Ver o corpo da minha mãe ali deitada parecia impossível. Ainda hoje me arrependo de não ter tido coragem de me despedir dela devidamente. Estava magoada comigo própria pelo que lhe dissera no dia anterior.

Apesar da tristeza profunda que carregava, nesse dia senti-me também acolhida: os meus colegas de escola e de catequese estavam todos lá, a apoiar-me. Mas não consegui tocar no caixão nem antes de ser sepultado. A dor era imensa. Cheguei mesmo a desejar trocar de lugar com ela. No meu entendimento, eu não fazia falta aqui; já ela tinha um bebé de dois meses para cuidar.

Voltámos para casa. O meu pai, revoltado com tudo, atirou-me à cara que a culpa do falecimento da minha mãe era minha. Eu já carregava revolta suficiente dentro de mim. Por fora mostrava-me imparcial; por dentro, o mundo desabava aos poucos e ficava negro, sem vida. Hoje sei que foi apenas uma reação sem maldade, mas na altura ele não tinha noção do que se passava dentro daquela menina de treze anos.

A partir daí a minha vida mudou. O meu mundo mudou. Entrei em depressão. Passava as tardes livres no cemitério, deitada na campa da minha mãe, a falar com ela, a chorar, a pedir desculpa por tudo o que lhe tinha dito, por não ter sido a filha que ela gostaria de ter tido. Apesar de tudo, sentia-me bem ali, perto dela. Era como se ela estivesse comigo — e, de certa forma, estava. Mas eu, perdida na escuridão, não via.

Foi quando o coveiro falou com os meus avós, dizendo que eu passava demasiado tempo no cemitério e que isso me faria mal. Aí, como ele estava enganado. A minha avó proibiu-me de lá ir obrigando-me a vir diretamente para casa assim que as aulas terminassem.

A dor tornou-se a minha sombra. Eu, que tinha apenas treze anos, carregava um peso maior do que conseguia suportar. Sentia-me culpada, não apenas pelas palavras que lhe disse no dia anterior, mas também por não ter tido coragem de a abraçar uma última vez, de lhe dizer o quanto a amava. Essa culpa enraizou-se em mim, transformando-se num vazio que parecia não ter fim. Era como se a cada manhã acordasse sem ar, sem rumo, sem chão. O mundo continuava a girar, mas dentro de mim tudo tinha parado no momento em que ela partiu."

 

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Primeiros excertos do meu livro...

Decidi que irei publicar vários excertos do meu livro para levantar a curiosidade de o lerem. 

Então hoje, presenteio-vos, com o primeiro excerto, aliás por ser a primeira vez, irei presentear-vos com dois excertos do primeiro capitulo do meu livro.   

Estão preparados??

Aqui vão..

 


 "Tinha cerca de seis meses e, nos anos 80, as cadeiras de bebé ainda não tinham sistema de retenção de segurança. Eu estava numa cadeira de bebé em cima da bancada da cozinha. O meu pai estava sempre atento, a observar cada movimento meu, mas, por um momento, distraiu-se com algo.

Nesse instante, mexi-me um pouco mais do que devia e caí ao chão, de uma altura de cerca de metro e meio. Para uma criança de seis meses, aquilo podia ter sido fatal.

O pânico tomou conta dos meus pais. Corriam comigo nos braços até ao hospital de Ílhavo, cada segundo parecia uma eternidade. Quando chegámos, de repente, voltei a mim. Mas o impacto deixou marcas — algumas talvez visíveis, outras invisíveis, gravadas no meu corpo e na minha história."

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"Entrei na escola primária, para o primeiro ano, ainda tinha cinco anos. Recordo que nessa altura já sabia escrever o meu primeiro nome e contar até dez, algo que nos anos 80 era fantástico uma criança que nunca tinha ido à escola primária saber.

Esse ano foi muito traumatizante para mim. Durante todo o ano, fui tratada de maneira diferente dos meus colegas. A professora fazia de propósito para não me deixar ir ao WC, forçando-me a urinar-me na sala, tornando-me alvo de gozo por parte dos meus colegas. Até que no final do ano, uma colega se virou para a minha mãe e perguntou:

-  "Sabe porque é que a Ana reprovou?".

A minha mãe respondeu que não. A minha colega continuou:

- "Porque é deficiente mental!".

Isto caiu como um balde de água fria pela cabeça abaixo da minha mãe."

 

Abriu a curiosidade??

Terão que esperar, porque ainda estou a escrever o segundo capitulo. 

Não percam os próximos excertos....  

 

 

 

domingo, 14 de setembro de 2025

Sentir-se diferente e descobrir a razão

 


Ao longo da vida, muitas vezes senti que não encaixava no mundo da mesma forma que os outros. Pequenos gestos, conversas e situações sociais que pareciam simples para todos, para mim eram complexos, confusos ou mesmo desgastantes. Durante anos, interpretei isso como uma sensação de inadequação ou timidez.


Escrever o meu livro levou-me a uma introspecção profunda. Através dessa viagem interior, percebi algo que muda a forma como me vejo: talvez eu esteja no espectro do autismo. Nunca tive essa explicação antes, mas agora faz sentido de tantas experiências e sentimentos que carreguei sem compreender totalmente.


Para compreender melhor esta descoberta e obter um diagnóstico correto, decidi procurar ajuda médica especializada. Neste momento, estou à espera da minha consulta com o psiquiatra, porque quero ter certeza e orientação adequada, algo que considero essencial para qualquer jornada de autoconhecimento.


Ao refletir sobre as minhas experiências, percebi também a relação entre a misofonia — aquela sensibilidade extrema a certos sons — e o autismo. Muitas pessoas no espectro experienciam sensibilidades sensoriais mais intensas. No meu caso, além da misofonia, tenho sensibilidade a luzes, a cheiros e a texturas. Percebi também que me sinto cansada após convívios e que, por vezes, explodo em emoções sem razão aparente. Compreender estas experiências ajuda-me a perceber melhor como certas situações do dia a dia podem ser emocionalmente desgastantes.


Descobrir isto não é sobre colocar rótulos, mas sobre encontrar sentido e aceitar-me. É perceber que ser diferente não é errado — é apenas uma maneira única de existir, de sentir e de experienciar o mundo.


Partilho isto no blogue porque acredito que muitas pessoas sentem algo semelhante: uma diferença que não conseguem explicar, uma sensação de não encaixar. Saber que há uma razão para isso pode ser libertador. E, acima de tudo, ajuda-nos a valorizar a nossa singularidade, sem nos culparmos por sermos quem somos.


A introspecção, a aceitação e a procura de ajuda profissional transformaram a minha percepção da vida. E quero deixar aqui um lembrete para todos: a diferença não nos separa, ela é o que nos torna únicos.

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

O 11 de setembro que quase ninguém se recorda


 No dia 11 de setembro de 1985, eu teria quase 3 anos de idade. Não tenho memória direta do que aconteceu nesse dia, mas cresci a ouvir falar desta tragédia através de notícias, reportagens e testemunhos que mantêm viva a lembrança de um dos episódios mais negros da história ferroviária em Portugal.

Portugal foi palco de uma das maiores tragédias ferroviárias da sua história: a colisão frontal entre dois comboios na Linha da Beira Alta, junto ao apeadeiro de Moimenta-Alcafache, no concelho de Mangualde.

🚂 O que aconteceu

Eram cerca das 18h37 quando o Sud-Expresso, comboio internacional que seguia do Porto para Paris, embateu de frente com um serviço regional, que vinha da Guarda com destino a Coimbra. Ambos transportavam centenas de passageiros – estima-se cerca de 460 pessoas no total.

O choque foi devastador. As locomotivas e as primeiras carruagens ficaram destruídas e, devido ao derrame de combustível, rapidamente deflagrou um incêndio que se propagou pelos vagões. Muitos passageiros ficaram presos e não conseguiram escapar.

⚠️ As causas

A investigação concluiu que a tragédia resultou de falhas de comunicação entre estações ferroviárias.

  • O cruzamento entre os dois comboios deveria ocorrer em Mangualde, mas foi alterado para Nelas devido ao atraso do Sud-Expresso.

  • Essa alteração não foi devidamente coordenada, levando a que ambos os comboios circulassem na mesma via, em sentidos opostos.

O acidente revelou fragilidades graves no sistema de sinalização e na comunicação entre os responsáveis pela circulação ferroviária.

💔 As vítimas

O número oficial de mortos é de 49, mas acredita-se que o valor real seja superior, já que muitos corpos ficaram irreconhecíveis ou nunca foram recuperados devido à violência do incêndio.
Centenas de passageiros ficaram feridos, alguns com sequelas para toda a vida.

📌 Consequências e memória

O desastre de Alcafache marcou profundamente o país e levou a mudanças na segurança ferroviária, com reforço nos sistemas de sinalização e comunicação.
Todos os anos, em setembro, a tragédia é recordada com homenagens às vítimas e familiares.

🙏 Para nunca esquecer

Mais do que números, o acidente de Alcafache representa histórias de vida interrompidas e famílias destruídas. Recordar este dia é também lembrar a importância da segurança nos transportes e da memória coletiva.


sábado, 6 de setembro de 2025

Setembro: o mês do recomeço 🌿🚛

 



Um “segundo janeiro” no calendário


Setembro é conhecido como o mês dos recomeços. Não é apenas o regresso às aulas ou ao trabalho após as férias, mas sim um convite a reorganizar a vida, traçar novas metas e abrir espaço para transformações. É como um “segundo janeiro”, cheio de oportunidades e de energia renovada.


O meu recomeço pessoal


Para mim, setembro tem um significado especial. Depois da cirurgia ao pulso, que felizmente correu muito bem, estou agora a preparar o regresso à estrada. Cada passo da recuperação é um símbolo de força e de determinação.


Não é a primeira vez que este mês marca um ponto de viragem na minha vida. Em 2018, setembro foi o início de um novo ciclo. E agora, em 2025, volto a sentir esse mesmo impulso, essa certeza de que setembro é, mais uma vez, o mês de recomeçar.


Renovar para avançar


Nos próximos tempos vou renovar o CAM (Carta de Aptidão de Motorista) e toda a documentação necessária para regressar à minha rotina profissional. Para alguns, pode parecer apenas burocracia. Para mim, significa muito mais: é a prova de que estou pronta para retomar o volante, enfrentar desafios e seguir em frente com confiança.


Recomeçar não é voltar ao ponto de partida, é avançar com mais sabedoria, força e coragem.


Setembro, mês de transformação


Assim como o verão dá lugar ao outono, também nós atravessamos fases de mudança. E, tal como a natureza se renova, também eu escolho renovar-me.


Este setembro simboliza renascimento e motivação. E acredito que todos podemos aproveitar este mês para abraçar novas oportunidades, deixar para trás o que já não serve e acreditar no que ainda está por vir.


Porque todos os dias são bons para recomeçar, mas setembro lembra-nos que nunca é tarde para escrever uma nova página da nossa história.

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Ecos de Outras Vidas


Há memórias que não vêm da infância.

São lembranças silenciosas, que não se explicam pela lógica, mas que se sentem no coração como se fossem ecos de um tempo distante.


Sempre que contemplo um castelo erguido contra o horizonte, sinto uma familiaridade estranha — como se já tivesse caminhado por aquelas pedras gastas, ouvido os ecos de vozes em corredores estreitos e sentido o peso da história em cada muralha. Há em mim uma ligação inexplicável à Idade Média, ao som de armaduras, ao tilintar de espadas e ao vento que sopra pelas ameias.


O mar Mediterrâneo desperta-me o mesmo chamamento. As suas águas parecem carregar segredos que conheço sem nunca os ter aprendido. O cheiro da maresia, a luz dourada sobre a costa, os portos antigos que foram cruzamento de povos e culturas — tudo isso me toca como se fosse parte de uma memória minha.


Talvez não sejam apenas gostos ou fascínios. Talvez sejam fragmentos de vidas passadas, gravados na essência da alma. Talvez tenha sido viajante, navegadora, ou até alguém que, de uma fortaleza à beira-mar, observava o horizonte à espera de barcos que regressavam.


Não sei ao certo quem fui.

Mas sei que em mim vive essa saudade do que não lembro, esse reencontro com lugares e épocas que me são familiares sem explicação

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Misofonia: quando os sons nos ferem por dentro

 

Para a maioria das pessoas, um simples mastigar, um teclado a clicar ou um suspiro são apenas sons banais. Para mim, são gatilhos de sofrimento que entram no meu cérebro e não me deixam em paz.

Basta alguém falar mais alto do que o normal, ou ouvir alarmes, notificações ou outros sons que para os outros são perfeitamente normais, para que fiquem em loop na minha mente. Sinto-os a repetir-se incessantemente, como um eco que não consigo desligar. Cada repetição provoca desgaste, tensão e, muitas vezes, dores de cabeça incapacitantes que me deixam sem energia, física e emocionalmente.

O impacto da misofonia vai muito além do som em si. Há a raiva imediata, a frustração, o pânico silencioso de não conseguir escapar daquele ruído. Há a ansiedade antecipatória, o medo de situações em que posso ser exposta a sons gatilho. Refeições em família tornam-se um desafio, reuniões de trabalho são fontes de stress, viagens de transportes públicos transformam-se em pesadelos.

E o mais difícil é que quase ninguém compreende. As minhas reações são vistas como exageradas, como “mau feitio”. Mas não é birra, não é capricho. É uma resposta intensa e involuntária a estímulos que me provocam dor física e sofrimento emocional. E quando não somos compreendidos, o isolamento e a frustração apenas aumentam.

Viver com misofonia é sentir constantemente que o mundo está a entrar no nosso corpo de forma invasiva. É ter de aprender a evitar situações, a controlar reações, a proteger-nos de sons que parecem inofensivos para todos, menos para nós. É carregar diariamente o peso de uma batalha invisível, que mexe com o corpo e com a mente.

Procurei ajuda psiquiátrica e atualmente encontro-me a aguardar a consulta. Este é mais um passo para tentar encontrar formas de gerir os sintomas, reduzir o impacto emocional e físico e recuperar alguma qualidade de vida.

Apesar de tudo, é possível gerir a condição. Aprender os gatilhos, criar estratégias de coping, procurar apoio terapêutico e ambientes adaptados faz diferença. Mas acima de tudo, precisamos de que nos compreendam. A misofonia não é uma “frescura”, não é mau feitio — é uma condição real que transforma profundamente a vida de quem a sofre.

Para quem nunca experienciou, pode ser difícil imaginar. Mas para quem sofre, cada som que os outros ignoram é um desafio diário, uma luta para manter a cabeça fria, o corpo sereno e a mente a salvo do caos que esses ruídos provocam.

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Aquela Senhora

Há uma memória que guardo comigo, mas que até hoje não sei se foi um sonho ou se aconteceu mesmo. Na altura, a minha mãe ainda era viva. Conheceu uma senhora — e o que sempre me ficou na cabeça foi o quanto essa senhora se parecia comigo… com o que eu sou hoje. Na altura não liguei muito, mas hoje penso nisso vezes sem conta.


Essa senhora tornou-se amiga da minha mãe. Lembro-me de a verem juntas, a conversar como se já se conhecessem há muito. E, de forma quase natural, ela começou também a falar comigo. Não me lembro de tudo o que disse, mas sei que me deu conselhos. Coisas simples, mas certeiras. Como se soubesse de antemão o que eu ia viver. E o mais estranho — ou talvez o mais bonito — é que esses conselhos vieram a fazer sentido com o tempo. Ela falou-me de situações que eu viria a enfrentar, e foi como se me tivesse deixado uma bússola para quando chegasse a hora.


O que me intriga até hoje é: quem era, afinal, aquela senhora? Era apenas uma amiga da minha mãe? Uma desconhecida com um dom? Ou — e esta ideia nunca me deixou completamente — era uma versão de mim mesma, vinda de um tempo mais à frente, a tentar ajudar-me antes de tudo acontecer?


Pode parecer fantasia, mas eu sei o que senti. Sei que me marcou. E sei que, desde então, passei a olhar para certas coisas com mais atenção. Porque há momentos na vida que nos deixam uma marca tão profunda que nem importa se foram reais ou sonhados — eles transformam-nos na mesma.


E esta memória, seja ela o que for, faz parte de mim.

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Julho e os seus encontros marcados, parte 2

 

A 23 de julho,lá foi a tão esperada cirurgia ao pulso — esse companheiro de dores e silêncios — a passar pelo bisturi da esperança.

No dia seguinte à cirurgia, percebi algo que me fez acreditar ainda mais: o bloqueio e a dor constante no polegar direito — aquela dor teimosa, que se fazia sentir todos os dias, mesmo que de forma tolerável — tinham desaparecido.
Era como se o meu corpo, finalmente, tivesse respirado de alívio.

Ao sexto dia, os pontos estavam fechadinhos, com bom aspeto. Mas os cuidados continuam. A equipa médica foi clara: os pontos só devem ser retirados ao fim de quinze dias, para evitar o risco de reabertura.
Aos poucos vou recuperando a força, mas tento evitar ao máximo forçar — não por fraqueza, mas por respeito ao tempo que o corpo precisa.
Há um certo receio: o medo de que um movimento mais brusco possa abrir caminho a um retrocesso. E não quero que a recuperação seja mais lenta do que o previsto.

Ainda há movimentos que esperam pelo seu tempo. Há dias mais fáceis, outros em que a paciência tem de vir ao volante.
Mas há uma sensação clara de libertação — como se, por dentro, algo tivesse voltado ao lugar certo.
E cresce, dia após dia, a esperança de voltar ao ativo, à minha liberdade, à minha paixão pela condução de veículos pesados de mercadorias — e de voltar a correr as estradas da Europa, com o céu por teto e a música a embalar cada quilómetro.

Voltar a cantar enquanto conduzo é uma sensação tão boa…
Quase como se tivesse seguido a carreira de cantora, como gostava de ter seguido em criança.
Mas talvez, de alguma forma, tenha seguido sim — porque cada canção entoada ao volante é também palco, liberdade e sonho.

É, ao mesmo tempo, algo profundo, íntimo e cheio de verdade.
Esta ligação entre conduzir e cantar diz muito de mim: da liberdade, da alegria, dos sonhos que ainda vivem dentro de mim, mesmo que tenham tomado outros rumos.

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Três anos e meio de dor: um desabafo

 Há mais de três anos que vivo com dores constantes no pulso e na mão direita. Tudo começou depois de um acidente de trabalho, em 2022, quando estava a carregar um camião em Itália. Desde então, a minha vida mudou drasticamente. A dor não é apenas física — é emocional, é psicológica, é incapacitante. A cada dia que passa, sinto o peso de algo que me foi tirado: a liberdade de usar a minha mão como antes, a segurança no trabalho, a tranquilidade de simplesmente viver sem dor.


As dores que sinto são agudas, por vezes insuportáveis. Há dias em que mal consigo escrever ou realizar gestos simples do dia a dia. Um exemplo disso: deixei de conseguir destravar o travão de mão do carro com o polegar — como sempre fiz — e tive de me adaptar, usando o indicador. São pequenas coisas, quase imperceptíveis para os outros, mas que para mim representam um esforço constante e uma adaptação forçada à dor.


E para quem, como eu, trabalha com as mãos — e depende delas para conduzir, carregar, manobrar — a dor transforma-se numa prisão. Já não é só uma questão de desconforto: é uma limitação real, constante, exaustiva.


Nestes três anos e meio, ouvi muitas vezes a frase "tem de ter paciência". Mas a paciência esgota-se quando a dor não dá tréguas. Quando os exames se acumulam, as respostas tardam e a sensação de injustiça cresce, especialmente quando o seguro insiste em negar o nexo de causalidade com o acidente. É frustrante ver o nosso sofrimento questionado, como se não bastasse o que já estamos a viver.


Agora, com a cirurgia marcada, sinto-me num turbilhão de emoções. Por um lado, há esperança — finalmente, uma possibilidade de alívio, de recuperação. Por outro, há medo e ansiedade. Não sei como será o pós-operatório, quanto tempo levará até voltar a ter alguma normalidade, se a cirurgia vai mesmo resolver tudo. Vivo entre a expectativa e o receio, entre o cansaço e a vontade de voltar a ser eu, inteira, funcional, sem dor.


Mas há algo que me dá força: a esperança de poder, depois da cirurgia e da recuperação, voltar à minha profissão. Voltar a conduzir, a sentir a estrada, a retomar aquilo que me define e que tanto gosto de fazer. Porque não se trata apenas de voltar a trabalhar — trata-se de recuperar uma parte de mim.


Este caminho tem sido duro, solitário em muitos momentos, mas continuo a agarrar-me à esperança de dias melhores. Só quem vive com dor crónica sabe o que é este desgaste. Mas também sei que sou resistente. E apesar de tudo, continuo à espera daquilo que mais desejo: uma vida com menos dor, mais liberdade… e o regresso à estrada.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

🚛 Se um dia eu morrer ao volante de um camião.

Que ninguém diga que foi em vão.

Sou motorista de pesados de mercadorias internacional, com orgulho.

A estrada é o meu local de trabalho, mas também é uma parte de mim.

É onde passo dias, semanas… onde vivo histórias, onde ouço o mundo a passar pelas janelas.


Conduzir não é só profissão — é paixão.

É ver o nascer do sol em países diferentes, sentir o vento nas autoestradas, rir sozinha com as memórias, chorar baixinho com as saudades.

É carregar o peso do mundo… e ainda assim seguir em frente.

Se algum dia o meu destino se cruzar com o fim enquanto conduzo, saibam que fui feliz.

Fiz o que amava.

Servi com dignidade.

E deixei a minha marca nas estradas da Europa.

A todos os que partilham esta vida de volante e distância, que cada quilómetro seja seguro e com destino.

E que nunca se esqueçam: somos mais do que motoristas — somos os que fazem o mundo andar.


Julho e os seus encontros marcados

 

Há meses que passam despercebidos.
Mas julho, esse não — faz questão de se fazer notar.
É como se me tivesse escolhido, ano após ano, para me lembrar da força que nem sempre sei que tenho.

A 5 de julho, foi a vez da vesícula.
A 28 de julho, um tratamento delicado ao útero.
E agora, será o pulso — esse companheiro de dores e silêncios — a passar pelo bisturi da esperança.

Julho tornou-se o mês das cirurgias, das salas frias, dos cheiros estéreis e dos olhares calmos dos profissionais de saúde.
Mas também é o mês dos recomeços.
O corpo dói, sim. Mas ao mesmo tempo, liberta-se. Corrige o que precisa, arruma o que incomoda.

Não sei se é sina, destino ou só uma coincidência teimosa…
Mas sei que em julho tenho aprendido a cuidar mais de mim.
E talvez isso seja, afinal, a maior cirurgia de todas.

Espero com isto voltar à estrada, ao volante da grande roda,
percorrer as estradas da Europa com sorriso no rosto e a música na minha boca.

Porque é na liberdade do caminho que o meu coração acelera,
E eu sei que ainda tenho muito para conduzir, viver e cantar.

 


 

 

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Café avec Amour

 

 No ano passado (2024) recebi a proposta do escritor Bruno Santos para traduzir o livro "Café com amor" para francês, projeto que agarrei com unhas e dentes.
É com orgulho que partilho convosco a capa do livro e vejo o meu nome numa das suas páginas. 😃




 
Deixo também o link de várias plataformas online onde está disponível para compra, quer em português, quer em francês.
 
 
 
 
 
É uma história, em que o narrador é ao mesmo tempo a personagem principal, que nos faz pensar se o amor à primeira vista, é apenas cliché, um mito, ou se de facto existe.  
 
Resumo:
 
Duarte é um jovem adulto que não consegue encontrar o amor, apesar de não ser feio. É então que fica a saber, que o seu melhor amigo João abriu um café, com uma particularidade, ele ajuda pessoas solteiras a encontrar a sua cara-metade, ou apenas uma amizade. Em troca de beberem chávenas de café, conhecem novas pessoas, e quem sabe se o cupido lhes baterá à porta. Sem nada a perder, ele decide tentar a sua sorte. Este livro, mostra que não vale a pena conhecer outras mulheres para esquecer a tal. Quando o coração bate forte...  
 

sábado, 31 de maio de 2025

Á minha querida filha!

 Querida Ana Carolina,


Escrevo-te com o coração cheio de amor e saudade.

Nunca cheguei a embalar-te nos braços, mas levo-te comigo todos os dias. O teu coração bateu dentro do meu durante vinte semanas — duas vidas a viver juntas, ligadas por um amor que nasceu no instante em que soube que existias.

Mesmo que o mundo nunca te tenha visto crescer, tu exististe. Foste real. E continuas a viver em mim, em cada pensamento, em cada silêncio, em cada sonho.

No dia 14 de fevereiro de 2019, o tempo parou. E contigo, levou-se um pedaço de mim.

Nesse dia, perdi-te. Mas nunca deixei de te amar.

Agora que se aproxima o fim de junho, o mês em que esperava conhecer-te, o coração aperta mais um bocadinho.

Este seria o teu mês. A tua chegada. O teu primeiro choro. O primeiro olhar.

Tinha tantos planos, tantos sonhos, tantos abraços guardados só para ti. Em vez disso, ficou um vazio imenso — mas também um amor que nunca desapareceu.


Imagino-te tantas vezes… com olhos vivos e riso fácil. Imagino-te a correr, a chamar por mim, a encher o mundo de cor.

Nunca ouvi o teu riso, mas ouço-o na minha imaginação.

Nunca vi o teu rosto, mas reconheço-te na luz de cada manhã.

Às vezes olho para o céu e procuro-te entre as estrelas. Gosto de pensar que és a que brilha mais, a que pisca só para mim.

E nesses momentos, falo contigo em silêncio.

Digo-te que te amo. Que nunca te esqueço. Que continuas a ser minha filha, mesmo sem teres crescido neste mundo.

Perdi-te antes de te conhecer, mas amei-te desde o primeiro instante.

E esse amor, minha filha, é eterno.


Com todo o amor que tenho,

Da tua mãe 💖

quarta-feira, 21 de maio de 2025

O Meu Processo de Emagrecimento: Uma Caminhada de Coragem, Dor e Esperança

Em criança, era uma criança normal. Não era obesa, nem me sentia diferente dos outros. No entanto, tudo mudou na minha adolescência. Tinha apenas 13 anos quando a minha mãe faleceu. Esse momento marcou-me profundamente e coincidiu com o início da puberdade. O meu corpo começou a mudar, mas não de forma natural — enfrentei um atraso menstrual devido ao síndrome do ovário policístico e vivi um turbilhão de emoções e traumas psicológicos difíceis de lidar.


Comecei a engordar de forma rápida e descontrolada. Ao longo dos anos, tentei várias vezes emagrecer, mas nunca consegui manter o peso desejado. O ciclo era sempre o mesmo: perdia um pouco, ganhava tudo de volta — e às vezes ainda mais.


Em setembro de 2009, após a separação com o meu primeiro companheiro, cheguei a pesar mais de 130 quilos. Lembro-me que nesse primeiro mês sozinha perdi algum peso e isso deu-me ânimo para continuar. Decidi focar-me e cuidar de mim.


Nos primeiros tempos tomei produtos da Herbalife — admito, foi uma escolha consciente para ajudar a desinflamar o fígado e reeducar o meu corpo a comer de forma saudável. Com essa ajuda inicial, e com muita dedicação, consegui descer até aos 86 quilos.


Mas o verdadeiro trabalho veio depois: comecei a cuidar realmente da alimentação, fazia exercício físico com regularidade — jogging, sets de flexões e abdominais, e quando chovia, bicicleta estática em casa. Em setembro de 2012 já estava com 68 quilos e, por mim própria, ainda consegui chegar aos 65.


Em agosto de 2013, estava nesse peso quando sofri um grave acidente de viação com o meu atual marido. Nessa altura, trabalhava em dois sítios e fazia cerca de 20 quilómetros de bicicleta por dia. Era extremamente ativa e sentia-me bem com o meu corpo e estilo de vida.


O acidente mudou tudo. Fiquei lesionada na coluna e no joelho direito. Passei de uma pessoa ativa para uma vida sedentária. E, admito, deixei de ter cuidado com a alimentação. Cometi muitos erros. Voltei a engordar tudo aquilo que tinha perdido — e talvez mais.


Cansada deste corpo, frustrada por não conseguir, sozinha, voltar ao que já fui, tomei uma decisão importante: pedi ajuda médica. Sim, estou atualmente no processo para a cirurgia bariátrica. Não é uma decisão fácil, mas é um ato de amor-próprio e coragem.


Já comecei a mudar a alimentação e a caminhar — ainda não todos os dias, mas com força de vontade sei que irei conseguir.


A partir de agora, vou usar este espaço para partilhar convosco todo este processo, com transparência, verdade e esperança.


Se tu que me lês estás a passar por algo semelhante, se sentes que precisas de ajuda mas não tens coragem de a pedir, fala comigo. Estou aqui para apoiar, como tantas vezes eu precisei de apoio. Talvez juntos possamos tornar o caminho um pouco mais leve.


Fica por aqui, acompanha esta jornada. E, acima de tudo, nunca desistas de ti.